"Estar em toda a parte onde houver bem a fazer e sofrimento a aliviar",
é o lema da Congregação das Irmãs de São José de Cluny.
Este blog pretende ser um espaço privilegiado de comunicação entre os Associados da Congregação.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Partilha da experiência Missionária duma Associada em Formação - Grupo de Alcobaça

Omwenho Ukola: ‘A Vida é Sagrada’

Estou de volta de Huambo, após aproximadamente um mês de voluntariado. É difícil descrever as emoções que senti… Angola é também a minha terra natal. Foi possível a realização de dois sonhos antigos: ser voluntária em África e conhecer o Lobito, onde nasci.



Nos dias de hoje, em que o respeito pela vida humana é, por vezes, banalizado e muitas vidas são anuladas mesmo antes de nascer, o nome do Centro de Acolhimento de Meninas Omwenho Ukola (OU), que significa, em umbundo, a língua local, ‘a vida é sagrada’, faz todo o sentido. Situa-se em Huambo, a segunda cidade de Angola, e é uma instituição social católica vocacionada para acolher meninas órfãs e desamparadas (vítimas da guerra, sida e outros flagelos humanos), dos 3 aos 17 anos de idade. Tem como principal objectivo, proporcionar-lhes uma formação integral e digna desde tenra idade, como futuras mulheres, mães e esposas.

A direcção desta obra está a cargo da congregação das Irmãs Missionárias do Imaculado Coração de Maria – Filhas de África. É relativamente recente, tendo sido fundada em 1979 pela Madre Raquel Celeste (1943-98), natural de Huíla, Angola. As religiosas desta comunidade são 6, com formação diversa, entre as quais se encontra uma médica e uma educadora de infância.

As Irmãs do Centro OU trabalham fora para garantirem com o seu salário a manutenção da comunidade. Os pequenos negócios como a venda de gelo, gelados, bolos e arrendamento de algumas divisões da casa são também uma fonte de receita. Estão também receptivas a donativos.

A laboração do Centro OU conta ainda com algum pessoal de apoio, cerca de 8 trabalhadores (1 motorista, 2 lavadeiras, 2 costureiras, 1 cozinheira, 1 arrumadeira, 2 guardas nocturnos), e ainda, explicadores para as meninas que apresentam dificuldades escolares. Como me referiu a directora do Centro OU, a Irmã Ana Maria Francisco, a colaboração de um psicoterapeuta constitui uma necessidade na formação das crianças, o que até agora, ainda não foi possível.

Para além da formação escolar e religiosa as meninas mais velhas têm acesso a cursos técnicos de informática, arte e decoração, pastelaria, bordados, costura e música. Alguns cursos, como informática e costura, que decorrem nas instalações da instituição, estão abertos ao público e funcionam também como uma forma de financiamento.

Embora com dificuldades, a instituição tem vindo a melhorar significativamente as suas instalações, tendo contando com a preciosa ajuda dum fundo de cooperação italiano em 2003. Actualmente, encontra-se em projecto, como me confidenciou a Irmã Ana Maria Francisco, a área da lavandaria, alpendre e recuperação da capela.

Cheguei ao Huambo à noite vinda de Luanda (cerca de 600kms), após uma viagem de autocarro de 10h sem estações de serviço. Por aqueles dias não havia voos domésticos. A viagem foi dura mas pude assim ter contacto com a realidade do povo angolano. Durante o percurso vendem-se todo o tipo de artigos (comida, roupas, óculos…) dentro do autocarro. As pessoas, habituadas a sobreviver, são muito práticas e hospitaleiras. Os curiosos olhares iniciais, por ser a única branca, rapidamente se tornaram acolhedores. Alguns passageiros funcionaram como meus guias durante a viagem. Como dizia a Irmã Ana Maria Javouhey: ‘Quando Deus chama, dá-nos força’. A Irmã Fátima Medeiros tinha-me dado um crucifixo benzido por João Paulo II que não larguei e, por certo, muito me valeu.

Como africanas que são, as meninas do Centro são muito festivas, as danças e as canções são ritmos que parecem genéticos. Receberam-me com um lindo cântico de boas vindas. As vozes delas são encantadoras e ainda hoje soam aos meus ouvidos. Neste dia, tive ainda o privilégio de saborear um belo jantar. O pudim de pão da Irmã Teresa é delicioso! Esta foi a primeira refeição a ser preparada no fogão industrial oferecido pela APARF – Associação Portuguesa Amigos de Raoul Follereau. Veio dar muito jeito numa casa com perto de 50 pessoas. Por outro lado, a formação em cozinha das meninas melhorada. Antes, para além de cozinharem a lenha, tinham um pequeno fogão. Quando me deitei neste dia pensei: por tudo isto já valeu a pena ter vindo!

Mas muito mais estava para vir…

O meu trabalho nesta comunidade passou essencialmente por acompanhar as mais pequenitas em ‘explicações’ de português, como elas próprias diziam. Sendo farmacêutica de formação, fui também incumbida de arrumar a farmácia, e ainda, dei uma ajuda na organização da biblioteca.

São 36 crianças, divididas por grupos de seis, de modo que, em cada um exista uma menina mais velha, a ‘mãe’ que se responsabiliza pelas mais novas do grupo. As meninas sendo carentes são muito carinhosas e curiosas. Tocavam-me na pele e cabelo por ser diferente. As trancinhas não se seguravam e escorregavam… Chamaram-me de mana Marta, a branquinha. As minhas meninas, como lhes chamo, são uns amores!

Sendo uma cidade universitária, as pessoas de Huambo são muito acolhedoras. Por vezes encontravam-me na rua e cumprimentavam-me pelo nome, pois já nos tínhamos conhecido na missa da paróquia da Sé. As missas são muito participadas, todas as paróquias têm três missas ao domingo (de aproximadamente 1,30h): uma para os adultos, outra para os jovens e uma terceira para as crianças. Os coros são muito animados e cheios de ritmo, de vida.

A circulação automóvel em Huambo faz-se bem, as estradas principais estão alcatroadas, mas ainda faltam a maioria dos passeios para peões. A par das novas construções, emerge a reconstrução de estruturas já existentes e degradadas, outras inacabadas, sendo muitas da era colonial. Muitas pessoas ainda habitam em bairros sem condições sanitárias. Uma rede eléctrica estável, o fornecimento de água potável canalizada a todos e a construção duma rede de esgotos constitui uma prioridade nesta cidade, que em tempos se chamou Nova Lisboa.

O Colégio das Irmãs de São José de Cluny em Huambo, que visitei, constitui, ainda hoje, uma prova do que foram os tempos de guerra e pós guerra para aquelas pessoas. Conheci as Irmãs Antónia e Maria, a quem agradeço a sua pronta recepção. As instalações são enormes, têm em funcionamento o infantário e até ao 6º ano, têm cerca de 950 alunos, dos quais 40 são internos. O liceu, já devolvido pelo estado, ainda não está a funcionar sob a sua orientação das Irmãs. Este encontra-se em muito mau estado e precisa de obras.

Pude ainda ver o amor de Deus noutras pequenas coisas: o carinho e a disponibilidade das Irmãs Filhas de África e das outras pessoas do centro; os sorrisos e os abraços das crianças; lavar a roupa e loiça à mão com sabão; ir buscar água ao poço ou à manivela; o banho de alguidar; as histórias contadas; os desenhos e as brincadeiras das meninas; a partilha e entreajuda delas; os choros, as birras e as pequenas brigas; rezar o terço na capela; preparar as refeições e trocar receitas; cozer o pão; o passeio nocturno de que elas tanto gostaram; os curativos das suas feridas; a alegre e ruidosa fila que faziam para receberem as vitaminas; a pequenita que chorava sempre que me via por eu ser branca…

Recordo ainda os amigos que fiz; as compras no mercado da Alemanha; o colorido dos mercados; a cozinha da paróquia de Canha; a moela de galinha que me era sempre destinada por eu ser a visita; a esplêndida vista da Senhora do Monte em Caala; o almoço que me deram as Irmãs de São Carlos Luanga de Kuito; o passeio às Águas Frias em Alto Hama; a barragem do Cuando; as mupas do rio Cuiva; o Lobito e o BI angolano; o calor de Luanda; o cheiro da minha terra…

A despedida, embora mais triste, foi igualmente festejada e cantada, desta vez pela solidão na ausência da mana Marta… Agora tenho muitas saudades. Um dia destes espero voltar para ver as minhas meninas! Sinto-me feliz por mim e por elas, saímos todas enriquecidas… Como se diz por lá, a quem muito se quer: Estamos Juntas!

Mana Marta.

 (Marta Faustino, Alcobaça)

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